O STF e as ações coletivas propostas por associações

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Nos dias 4 e 10 de maio de 2017, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) julgou o Recurso Extraordinário (RE) 612.043/PR, com repercussão geral reconhecida, que versava sobre a extensão subjetiva dos efeitos de sentença prolatada em ação coletiva proposta, sob o rito ordinário, por associação de classe na defesa de direitos de seus filiados.

Por ocasião da apreciação do recurso citado prevaleceu o entendimento do Ministro Relator Marco Aurélio, que votou pelo desprovimento do extraordinário e pela fixação da tese seguinte:

“A eficácia subjetiva da coisa julgada formada a partir de ação coletiva, de rito ordinário, ajuizada por associação civil na defesa de interesses dos associados, somente alcança os filiados, residentes no âmbito da jurisdição do órgão julgador, que o sejam em momento anterior ou até a data da propositura da demanda, constantes de relação juntada à inicial do processo de conhecimento”.

Em consonância com o posicionamento adotado quando da análise do RE 573.232/SC, a Suprema Corte assentou a posição de que a atuação judicial das associações de classe na defesa dos direitos e dos interesses de seus associados consubstancia hipótese de representação processual.

Por entender que a associação atua na condição de representante processual de seus filiados, o STF definiu dois critérios cumulativos para a identificação dos beneficiários das ações coletivas propostas sob o rito ordinário por essas entidades, quais sejam: (i) a filiação do indivíduo à associação até a data do ajuizamento da demanda (critério temporal) e (ii) a necessidade de fixação de residência do associado no âmbito da jurisdição do órgão julgador (critério territorial).

Com a aplicação desse novo critério temporal, consideram-se beneficiários das ações coletivas somente aqueles indivíduos que se filiaram às associações de classe até o momento da propositura da medida judicial coletiva.

Impende destacar que o novel entendimento fixado pelo STF quanto ao requisito formal de apresentação da listagem junto à exordial e à vinculação do universo de beneficiários aos nomes presentes nessa relação deve ser aplicado pelo Poder Judiciário, de modo peremptório, apenas em relação às ações coletivas ajuizadas após o trânsito em julgado do acórdão prolatado nos autos do RE 612.043/PR.

Em virtude da ausência de legislação específica que regule a matéria, havia, antes do julgamento em questão, uma vasta pluralidade de precedentes que dispunham, de forma não linear, sobre o procedimento de litigância coletiva, que não exigiam a apresentação de relação nominal exaustiva de filiados e que não sinalizavam restrição ao rol de beneficiários das ações propostas por entidades associativas.

Em atenção a essa multiplicidade de referências jurisprudenciais anteriores, deve ser privilegiada a aplicação do princípio da segurança jurídica, de modo a evitar prejuízos desproporcionais aos indivíduos representados nas ações propostas anteriormente ao julgamento do extraordinário em comento que eram filiados às entidades desde o ajuizamento da demanda, mas que eventualmente não foram arrolados nas listagens anexadas à exordial. Em muitos casos, essas medidas judiciais discutem direitos prescritos.

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Essa é a correta posição que tem sido adotada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ) em relação à aplicação da tese assentada na apreciação do RE 573.232/PR. A título exemplificativo, cita-se o recente acórdão prolatado pela Corte no qual foi asseverado que “diante das expectativas geradas por entendimento anterior, existente inclusive no STJ, no sentido da desnecessidade da autorização expressa e diante da natureza da ação coletiva que congrega interesses de partes que normalmente não poderiam ir diretamente ao Judiciário, revela-se razoável conceder à associação autora a oportunidade e excepcional emenda da inicial após a citação do réu e mesmo após a sentença para regularização da sua legitimidade ativa mediante a apresentação de autorização assemblear e relação de associados” (STJ, Sexta Turma, EDcl nos EDcl no REsp n. 1.123.833/DF, Relator Ministro NEFI CORDEIRO, DJe de 15/03/2017).

No que se refere ao critério territorial definido no julgamento do RE 612.043/PR, cabe frisar que o raciocínio consignado no voto condutor do acórdão é o de que “a problemática da eficácia territorial do pronunciamento judicial é resolvida a partir da jurisdição do órgão julgador, isso em se tratando de ação plúrima submetida ao rito ordinário”.

Merece maior destaque o fundamento essencial do Ministro Relator, segundo o qual “esse mesmo enfoque [da eficácia territorial] seria observado se ajuizada a ação, diretamente, pelos próprios beneficiários do direito, não havendo tratamento diverso atuando a associação como representante”.

Na hipótese tratada no RE 612.043/PR, o caso concreto referia-se à propositura de demanda coletiva perante a Seção Judiciária do Paraná por associação estadual na defesa de seus filiados.

Ao exercer o controle difuso de constitucionalidade do art. 2º-A da Lei n. 9.494, de 10 de setembro de 1997, o STF assentou o posicionamento de que, em virtude da imperatividade das regras de competência jurisdicional, não se beneficiam do título coletivo examinado no extraordinário os associados que residam fora do Estado paranaense.

O reconhecimento pela Suprema Corte da constitucionalidade do dispositivo legal citado na linha adotada pelo voto condutor reforça a importância da Seção Judiciária do Distrito Federal, que, nos moldes do art. 109, § 2º, da Constituição, possui jurisdição sobre todo o território nacional.

Nessa linha, a jurisprudência pátria alcançou a conclusão lógica de que, se a Constituição (art. 109, § 2º) autoriza a propositura de toda e qualquer ação contra a Administração Pública federal no Distrito Federal, é inadmissível a aplicação descontextualizada do art. 2º-A da Lei 9.494/97 para promover restrição territorial indevida e para obstar o direito dos associados domiciliados em outras unidades da federação de executar individualmente os títulos coletivos conquistados em demandas aforadas nessa Seção Judiciária.

Cabe destacar o firme entendimento do STJ sobre a matéria, segundo o qual “embora o art. 2º-A da Lei 9.494/97 estabeleça que a sentença civil prolatada em ação de caráter coletivo proposta por entidade associativa, na defesa dos interesses e direitos dos seus associados, abrangerá apenas os substituídos que tenham, na data da propositura da ação, domicílio no âmbito da competência territorial do órgão prolator, tal regramento legal, para ser compatível com a ordem constitucional, não deve ter incidência em casos como o dos autos, em face mesmo da autorização constitucional insculpida no art. 109, § 2º, da Constituição Federal, que confere ao autor, independentemente do seu domicílio, demandar contra a União no Distrito Federal” (STJ, Primeira Turma, AgRg no REsp n. 1.420.636/DF, Relator Ministro NAPOLEÃO NUNES MAIA FILHO, DJe de 27/08/2015).

Nesse mesmo julgamento, a Corte registrou que “proposta a ação coletiva na Seção Judiciária do Distrito Federal contra a União Federal, a eficácia subjetiva da sentença não ficará limitada ao espectro de abrangência territorial, uma vez que a norma Constitucional assegura ao Sindicato/Associação autor opção pelo foro da Seção Judiciária do Distrito Federal, independentemente do local de domicílio dos substituídos”.

Em outra ocasião, o STJ apresentou solução sintética à controvérsia em questão ao afirmar que “a eficácia subjetiva da sentença coletiva abrange os substituídos domiciliados em todo o território nacional desde que: 1) proposta por entidade associativa de âmbito nacional; 2) contra a União; e 3) no Distrito Federal. Interpretação do art. 2º-A da Lei 9.494/97 à luz do disposto no § 2º do art. 109, § 1º do art. 18 e inciso XXI do art. 5º, todos da CF” (STJ, Primeira Turma, AgRg nos EDcl no AgRg no Ag n. 1424442/DF, Relator Ministro BENEDITO GONÇALVES, DJe de 28/03/2014).

Portanto, se todos os beneficiários têm a possibilidade de ajuizar as respectivas demandas individuais contra a União ou contra as autarquias e fundações federais diretamente no Distrito Federal, fica claro que todos eles fazem jus aos títulos coletivos conquistados em demandas propostas pelas respectivas representantes processuais também no Distrito Federal, de acordo com os precedentes do STJ e com o decidido no julgamento do RE 612.043/PR.

Os elementos expostos demonstram que o julgamento pelo STF representou um importante marco na consolidação da jurisprudência pátria sobre as balizas da litigância coletiva no Brasil e, simultaneamente, sinalizam que essa matéria carece de uma profunda regulamentação legislativa.

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