O epidemiologista e ex-reitor da Universidade Federal de Pelotas (UFPel) Pedro Rodrigues Curi Hallal (foto em destaque) e o professor adjunto Eraldo dos Santos Pinheiro assinaram um termo de ajustamento de conduta (TAC) em troca do arquivamento de um processo instaurado após criticarem a gestão do presidente Jair Bolsonaro (sem partido) durante live, no último dia 7 de janeiro. Agora, os docentes terão que ficar dois anos sem desrespeitar o artigo que proíbe “manifestações de desapreço” no local de trabalho.
Os extratos do termo de ajustamento de conduta foram publicados na terça-feira (2/3), no Diário Oficial da União (DOU). As falas dos professores foram descritas como uma “manifestação desrespeitosa e de desapreço direcionada ao Presidente da República”.
Na prática, o TAC consiste em um procedimento administrativo voltado à resolução consensual de conflitos e é considerado como a infração disciplinar de menor potencial ofensivo. Os professores foram alvos de denúncia protocolada pelo deputado federal Bibo Nunes (PSL-RS) junto à Controladoria-Geral da União (CGU). O parlamentar pedia, no entanto, a exoneração dos docentes.
Com o TAC, os docentes se comprometeram a ficar dois anos sem infringir o artigo 117 da Lei 8.112/1990, que proíbe servidores públicos de promoverem “manifestação de apreço ou desapreço no recinto da repartição”. Em troca, a representação foi arquivada.
Na ocasião da live, Pedro Hallal disse existir um projeto vergonhoso em curso no país. Ele também chamou Bolsonaro de “desprezível” ao destacar uma tentativa de interferência do presidente da República na escolha dos próximos reitores da universidade gaúcha.
“O presidente jamais terá sossego aqui na UFPel. Será marcado como um ato de resistência histórica. Aqui, não. O senhor não manda, absolutamente, em nada na UFPel. Saiba isso, hoje, como já lhe disse inúmeras vezes: o senhor não manda nada na Universidade Federal de Pelotas. Quem manda na UFPel é a nossa comunidade. O senhor é desprezível”, assinalou.
Disse também, em uma das últimas falas como reitor da UFPel, que “nada disso estaria acontecendo se a população brasileira não tivesse votado em um defensor de torturador, em alguém que diz que mulher não merecia ser estuprada ou no único chefe de Estado do mundo que defende a não vacinação da população”.
Em artigo publicado na revista científica The Lancet, uma das mais conceituadas do mundo, o epidemiologista mostrou que três a cada quatro mortes em decorrência da Covid-19 no país poderiam ser evitadas se o governo federal tivesse conduzido a crise sanitária de acordo com a “média dos melhores países do mundo”. Leia:
SOS Brazil Publicado Lancet by Tácio Lorran on Scribd
Já Eraldo Pinheiro criticou “o golpe impetrado por esse grupo que está devastando o nosso país”. E detalhou, sem citar nomes: “Grupo liderado por um sujeito machista, racista, homofóbico, genocida, que exalta torturadores e milicianos, que ao longo do tempo vem minando, destruindo as estruturas já precárias em nossas instituições”.
O advogado Paulo Liporaci, especialista em direito administrativo, ressalta que o termo de ajustamento de conduta estabelece uma resolução consensual para casos que não tem condutas possivelmente puníveis. “O TAC é facultativo, é uma proposição para condutas possivelmente puníveis com penalidades graves”, relata.
“Durante dois anos, eles não poderão violar os artigos citados. Se o servidor descumprir o TAC, imediatamente a CGU é obrigada a reabrir o processo e garantir o andamento da investigação para ver se vai punir ou não, definitivamente, o servidor”, prossegue o especialista.
Ao Metrópoles, o professor Pedro Hallal explicou que a Controladoria vislumbrou apenas uma potencial violação leve na manifestação e, por isso, propôs o TAC. “Não há reconhecimento de culpa, mas me comprometo em dois anos em não violar o artigo específico. Analisei junto aos meus advogados e achamos por bem assinar”, afirmou.
“Exatamente para que o processo encerrasse, entendemos por bem assinar o termo e colocar uma pedra no assunto. Mas, claro, o simples fato dessa denúncia e desse processo existir caracteriza o processo de exceção que o país está vivendo”, prosseguiu, ao evitar responder se o caso pode ser caracterizado como uma perseguições.
“É uma situação que caracteriza-se um momento de extrema exceção. Mas obviamente eu continuarei emitindo minha opinião científica sobre a trágica condução da pandemia pelo governo federal”, destacou.
O epidemiologista confessou, ao Metrópoles, que poderia ter evitado o termo desprezível durante a live, no dia 7 de janeiro. “A condução da pandemia, a condução das pautas da educação, são lamentáveis, vergonhosas, vexatórias, mas para dizer isso não preciso citar uma pessoa, é a instituição governo. Então, essa frase, que uso o termo desprezível, poderia ter sido diferente”, revela.